“Faço campanha contra o Google”
Por que o ativista da era digital combate uma das empresas mais inovadoras da era da internet
Peter Moon
A internet é uma debutante. Faz 15 anos que seu acesso foi liberado ao público mundial. Mas ela está longe da maturidade. Para o estudioso holandês Geert Lovink, de 48 anos, um dos principais ativistas europeus da cultura digital, a web está mudando rápido. À medida que seu acesso se democratiza, ela se liberta dos valores de seus criadores no Vale do Silício para refletir as diversas realidades da humanidade. Professor da Universidade de Amsterdã, Lovink dá boas-vindas às novas webs nacionais. A primeira é a chinesa, marcada pela censura. Mas Lovink aposta numa versão brasileira, outra indiana e uma africana. O único risco é o monopólio do Google, bem diante de nossos olhos.
ÉPOCA – Qual é o mal da internet?
Geert Lovink – Estou preocupado com o surgimento do monopólio do Google. Está acontecendo diante de nossos olhos e não estamos fazendo nada contra isso. Estamos trocando o monopólio da Microsoft pelo do Google. Minha prioridade aqui na Holanda é fazer campanha contra o Google, convencer as pessoas a usar sites de busca alternativos e manter seus provedores de correio eletrônico, e não usar o Gmail.
ÉPOCA – O domínio da Microsoft se dá pelos PCs. Mas o do Google é virtual.
Lovink – Sim. Por isso monopólio não é a melhor palavra. A expressão correta é hegemonia, uma hegemonia tecnológica em que a infra-estrutura que usamos pertence ao Google. Isso é evidente entre os brasileiros, os maiores usuários do Orkut, a rede social da empresa. Quando se usa o Gmail ou o Orkut, todos os seus dados se tornam mercadoria de uma única empresa.
ÉPOCA – Quais são as grandes mudanças da cultura digital nos últimos anos?
Lovink – A web 2.0 com suas redes sociais e um afastamento dos países ocidentais. Não vejo as duas coisas como separadas. Para mim, são uma só. A maioria dos profissionais ainda está antenada no que acontece no Vale do Silício. É preciso ampliar os horizontes. Na próxima fase da internet, não será mais possível pegar as idéias da Califórnia e adotá-las em todo o mundo. No caso dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), não se trata de adaptar, mas de criar culturas digitais distintas.
ÉPOCA – Quando veio ao Brasil em 2005, percebeu algum traço característico dos usuários de computadores daqui?
Lovink – Sim, é bastante óbvio que na cultura brasileira a ênfase sai da produção tradicional de software para um uso abrangente da multimídia. No Brasil, as pessoas não se iniciam na cultura digital aprendendo Linux, mas copiando músicas e produzindo conteúdo. É uma abordagem totalmente diferente.
ÉPOCA – Os 22,7 milhões de usuários residenciais de internet no Brasil permaneceram em média 23 horas e 51 minutos on-line em março, um recorde mundial, à frente dos franceses (21 horas e 30 minutos) e americanos (20 horas e 24 minutos). O que significa isso?
Lovink – Não entendo isso como algo bom. Muito provavelmente se deve às circunstâncias sociais, quando não se tem condições de sair de casa. Gastar muito tempo on-line em redes de relacionamento também não é um sinal de socialização. Está provado que a internet não aumenta a inclusão social.
ÉPOCA – Em Zero Comments (Zero Comentários), o senhor critica a idéia de que a web veio mudar o mundo. Por quê?
Lovink – Um dos problemas da educação no século XX foi a separação entre as ciências exatas e as humanas. Isso se reflete hoje no meio digital, onde os tecnólogos, quem estuda e pensa a internet, não conversam com os engenheiros que a criaram, e vice-versa. É ridículo imaginar que uma tecnologia como a web possa resolver os problemas da sociedade. Não existem soluções técnicas para eles. A internet não vai compensar a queda no nível educacional em todo o mundo. Veja bem, não sou contra a internet. Muito ao contrário, eu adoro a rede. Não estou pregando o fim do mundo. A internet não vai trazer a queda da civilização ocidental. Mas ela é incapaz de lidar com a crise no sistema educacional. Não será um laptop cheio de programas educativos que vai mudar isso. É ingênuo acreditar no contrário.
ÉPOCA – O que acha das redes sociais?
Lovink – É disso que eu estava falando! Os engenheiros que criaram a web nos anos 90 jamais imaginaram as redes sociais. Só pensavam em comércio eletrônico. Era uma visão muito estreita. Todas as tecnologias que desembocaram nas redes sociais foram criadas por gente diferente daqueles programadores. Para mim, o importante não é saber como será a internet do futuro, mas manter os canais abertos, sobretudo contra a influência das grandes corporações, para que ela possa se desenvolver da forma mais criativa possível. Não existe ninguém no planeta que saiba aonde tudo isso vai parar. É um enorme convite para que os jovens de todo o mundo possam contribuir.
ÉPOCA – E os blogs?
Lovink – Só na China existem 73 milhões de blogs. É um volume surpreendente. Será que alguém os lê? Não tenho a menor idéia. É o contrário do público da TV, sobre quem se sabe muito. O mundo da web é desconhecido. A internet e a cultura digital se desenvolvem muito mais rápido que a sociedade e suas instituições podem compreender. Quem vai aconselhar os políticos que formulam leis sobre o mundo digital? Quem ensina os jornalistas que escrevem sobre ela? Não tenho respostas para isso. As coisas estão acontecendo mais rápido do que qualquer um é capaz de compreender.
ÉPOCA – Nenhum humano sabe tudo o que acontece na rede, mas as máquinas sabem. Elas censuram 220 milhões de usuários chineses. Esse é nosso futuro?
Lovink – Dizem que apenas o setor de censura emprega 50 mil pessoas. Não devemos subestimar a China. Devemos prestar atenção nela como um modelo. Tenho certeza de que muitos governos secretamente pensam assim. Agora considere as empresas que ajudaram a China a construir seu sistema de censura. Foram a Cisco, a Microsoft, a Nokia, todas as maiores empresas de tecnologia. Se nós devemos culpar alguém, seriam elas. A China é a faceta mais visível de uma nova tendência, o surgimento das webs nacionais.
ÉPOCA – A globalização da web é um sinônimo do declínio da cultura ocidental?
Lovink – Não vejo as coisas assim. O fenômeno que vivemos se parece mais com a criação de muitas interfaces comuns, em que diferentes culturas se chocam, interagem e compartilham. Até o momento, a globalização só tem sido compreendida como um projeto americano. Mas não acho que seja o modo correto de olhar para ela. A globalização também está acontecendo entre o Brasil e a Índia, entre a China e a África. Existem muitas correntes de troca de idéias, de mercadorias. O que espero ver, por exemplo, é um acordo entre o Brasil e a África para a criação de um tipo novo de internet, um acordo de onde surja a rede do futuro.
ÉPOCA – Por que o senhor critica os defensores da liberdade de cópia na rede?
Lovink – Acho que devemos fornecer meios para que a próxima geração da web ganhe dinheiro com ela, possa viver de seu trabalho e de sua criação. O problema é que o pessoal do software livre só pensa em trocar livremente seus programas. Nunca imaginaram como profissionais criativos poderão sobreviver quando nos movermos para uma economia baseada na internet.